Luís Gustavo Severiano é natural de Curitiba, no estado do Paraná. É filósofo autoral por sina. Conhecido como Filósofo Severiano, escreveu cinco livros. Obteve um doutorado honoris causa pela instituição Odaee sediada em Frankfurt na Alemanha. Também é embaixador da paz pela mesma instituição.
1 - A pelo menos dois século a ciência e a fé debatem sobre temas importantes. Existe alguma possibilidade da religião e a ciência se “entenderem”?
Filósofo Severiano: Eu diria que a pergunta nos leva a um pensar anterior a esta questão. A pergunta anterior, penso, deveria ser: A ciência pode estudar a religião? Lembro-me do grande filósofo Ernest Mayr em seu magnífico livro: O crescimento do pensamento biológico.
Nesta passagem: “Com certeza, do ponto de vista zoológico, o homem é um animal. No entanto, é um animal exclusivo, diferindo de todos os outros de tantos modos fundamentais que se justifica uma ciência separada para o homem”. Depois de analisar esta citação reflito que tem havido alguma confusão a respeito de saber se as manifestações terrenas de religião deveriam contar como parte da natureza. Estará a religião fora de limites para a ciência? Lembremos que o método científico deve ser neutro e objetivo. Realmente, depende do que você quer dizer com a possibilidade de entendimento entre a ciência e a religião.
Se você se refere a experiências religiosas, práticas, textos, artefatos, instituições, conflitos e história do Homo sapiens, então esse é um catálogo volumoso de fenômenos inquestionavelmente naturais. Considerada como estados psicológicos, alucinação induzida por drogas e êxtase religioso, seria possível de ser estudada tanto por neurocientistas como pelas ciências cognitivas.
No livro Rocks of Ages (1999), o fantástico biólogo Stephen Jay Gould defendeu a hipótese política de que a ciência e a religião são duas “magisteria que não se sobrepõe”- dois domínios de interesse e especulação que podem coexistir pacificamente, desde que nenhuma invada a região especial da outra. Particularmente gosto em partes deste pensar. Digo “em partes” pois com a emergência da mecânica quântica esses fenômenos mudaram de limites.
2 - Quais são suas reflexões sobre a frase de Karl Marx: a religião é o ópio do povo.
Filósofo Severiano: Penso que esta frase de Marx nos tira o chão “seguro” do transcendentalismo. Este transcendente nos incita a ter esperança que aqui, onde estamos é um “vale de lágrimas” e que logo estaremos com Deus. Marx devolve a esperança para o próprio homem e sua construção histórica ativa. Desta forma, creio que Marx traz uma das dialéticas mais importantes para a vida contemporânea. A dialética entre a recusa X a aceitação do mundo. O marxista reivindica uma mudança de estrutura e subestruturas. Permitam-me explicar isso mais um pouco, para aqueles que não tem meditado sobre o marxismo e não se deram realmente ao trabalho de conhecê-lo. É preciso lembrar que o marxismo se dá prioridade à matéria. O materialismo marxista é uma doutrina que afirma estar o fundamento de tudo na matéria e que a explicação e a compreensão das coisas importa na compreensão de processos que se originam na matéria e nos elementos materiais, por assim dizer. Seria o caso, neste momento de citar o famoso enunciado de Feuerbach: Mann ist was er isst - que quer dizer: o homem é aquilo que ele come. Em outras palavras, para o marxista, a base de acesso à realidade é a seguinte: se se quiser compreender a situação do homem no mundo, deve-se compreender os processos econômicos que lhe asseguram a subsistência. Se não se chegar a compreender tais processos, as explicações e as respostas por melhores que sejam não atingem o problema. Desta forma, o que resta a religião é somente ser o ópio do povo. Minha opinião, marxista: Sim, devemos recusar o mundo e transformá-lo!
3 - Em épocas de epidemias e pandemias, a existência de Deus torna-se com maior questionabilidade?
Filósofo Severiano: Penso que a existência de Deus sempre será questionada pelos humanos. Veja que inúmeros filósofos se debruçam sobre essa questão toda uma vida. Sem dúvidas, em tempos onde a peste impera e a finitude torna-se próspera, a questão da existência de Deus ganha alguns “olhos e ouvidos”. Tenho refletido que o que está em jogo é a perfeição do amor de Deus. Como um ser perfeito em amor pode deixar seus filhos perecerem pela peste? Lembro-me de São Boaventura em seu livro fantástico: “Itinerário da mente para Deus”, onde o Doutor Seráfico interroga a si mesmo, se deve partir das criaturas ou do próprio Deus este conhecimento. Então, Doutor Seráfico chega numa conclusão profunda. Assim: as fontes do conhecimento humano revelam Deus por meio da sua própria iluminação e esta experiência externa, sempre será filtrada pelos sentidos. Desta conclusão posso chegar a refletir que em tempos de peste a presença de Deus é equivocada e sua inexistência é benevolente. No entanto, a sua própria inexistência emerge e salta aos olhos a necessidade do homem percorrer o mundo criado procurando os vestigia dos arquétipos do seu criador, e a recondução de tudo à intimidade do mistério do verbo encarnado.
4 - Qual a diferença entre o ateísmo e o agnosticismo?
Filósofo Severiano: Farei um pequeno passeio histórico para que possamos entender o ateísmo e o agnosticismo. O ateísmo é, em geral, a negação da causalidade de Deus. A primeira análise do ateísmo que a história da filosofia recorda é a de Platão no livro X das leis. Platão considera três formas de ateísmo: a negação da divindade; a crença de que a divindade exista mas que não cuide das coisas humanas; a crença de que a divindade possa ser propiciada com dons e ofertas. A primeira forma que Platão nos elucida é a que mais se enraizou no mundo. Pois, esta forma trás as questões do materialismo: o qual depende da opinião de que a natureza precede a alma, isto é, que a matéria “dura e mole, pesada e leve” precede a “opinião, a previsão, o intelecto, a arte e a lei”. Para refutar o materialismo deve-se demonstrar que a alma precede a natureza. Platão demonstra como o próprio movimento dos corpos celestes pressupõe um Primeiro Motor imaterial. A análise de Platão vale dizer que a única forma de ateísmo filosófico é o materialismo naturalista, o qual põe o corpo antes da alma. Na idade moderna a coincidência de materialismo e ateísmo foi afirmada por Berkeley que, precisamente por força dessa coincidência, foi induzido a sustentar a irrealidade da matéria. Se se admite que a matéria é real, a existência de Deus torna-se inútil porque a própria matéria vem a ser causa de todas as coisas e das ideias que estão em nós. Efetivamente se poderia dizer que não a realidade da matéria, mas só a causalidade da matéria é um dos fundamentos do ateísmo. O materialismo setecentista de La Mettrie e d’Holbach como o oitocentista de L. Buchner, e de Ernest Heckel e de Félix Le Dantec tem propriamente este fundamento. Deus é eliminado como princípio metafísico de explicação porque se admite, como tal, a matéria. O panteísmo também é uma forma de ateísmo. No entanto, aqui não se trata de um ateísmo professado mas de uma acusação que frequentemente se tem voltado contra os que identificam Deus com o mundo. A acusação do ateísmo foi por muito tempo dirigida a Espinosa pelo seu Deus sive Natura (Deus, ou seja, a natureza); na verdade, como notava Hegel, mais exatamente se deveria ter falado de acosmismo. Acusações de ateísmo foram dirigidas a Fitche em seguida a um artigo publicado em 1798 no jornal filosófico de Iena, “Do fundamento de nossa crença no governo divino do mundo”. Fitche, como Espinosa, rejeitava a acusação de serem ateus; e como quer que se queira julgar a questão, é certo o panteísmo não é um ateísmo professado. Um exemplo de ateísmo professado é o pessimismo de Schopenhauer. Schopenhauer afirmava que a desordem, o mal, a infelicidade do mundo são, obstáculos insuperáveis seja a afirmação do Deus pessoal que é requerido pelo teísmo, seja para a identificação do mundo com Deus operada pelo panteísmo. Teísmo e panteísmo pressupõe o otimismo que não só é desmentido pelos fatos pois vivemos no pior dos mundos possíveis, mas também, pernicioso porque não faz mais do que atar os homens à impiedosa e cruel vontade de viver. Na filosofia contemporânea a doutrina de J.P Sartre representa um ateísmo pessimista atualizado com as novas diretrizes da especulação. Não é o mal ou a dor como tal fundamento desse pessimismo; mas, antes, a ambiguidade radical, a incerteza da existência humana lançada no mundo e depende só da própria absoluta liberdade que condena ao fracasso. Não há, Deus, segundo Sartre, mas há o ser que projeta ser Deus, isto é, o homem: projeto que é ao mesmo tempo o ato da liberdade humana e o destino que o condena à falência (Ver: Ser e o nada, J.P Sartre, p. 653). O termo Agnosticismo foi criado pelo naturalista Thomas Huxley em 1869 para indicar a atitude de quem se recusa a admitir soluções daqueles problemas que não podem ser tratados com o método da ciência positiva e particularmente dos problemas metafísicos e religiosos. O próprio Huxley declarou ter criado o termo “como antítese do gnóstico da história da igreja o qual pretendia saber muito bem a respeito de coisas que eu ignorava”. O termo foi retomado por Darwin que se declarou agnóstico em uma carta de 1879. Desde então o termo foi usado para designar a atitude dos cientistas de diretriz positivista em face do Absoluto, do infinito, de Deus e dos problemas respectivos, atitude assinalada pela recusa de professar publicamente qualquer opinião sobre tais problemas. Assim foi dita agnóstica a posição de Spencer que na primeira parte dos Primeiros Princípios (1862) entendeu demonstrar a inacessibilidade da realidade última, isto é, da força misteriosa que se manifesta em todos os fenômenos naturais. O fisiólogo alemão Du-Bois Raymond, em um escrito de 1880, enunciava Sete enigmas do mundo (a origem da matéria e da vida; a origem do movimento; o surgir da vida; a ordenação finalista da natureza; o surgir da sensibilidade e da consciência; o pensamento racional; a origem da linguagem e a liberdade do querer.) em face dos quais ele julgava que o homem estivesse destinado a pronunciar um ignorabimus já que a ciência não poderá nunca resolvê-los. No mesmo período a palavra foi estendida para designar também a doutrina de Kant enquanto reputa o nôumeno ou a coisa em si além dos limites do conhecimento humano. No entanto, essa extensão da palavra não pode dizer-se de todo legítima, dada a concepção kantiana de nôumeno como conceito-limite. Faz parte integrante da noção de agnosticismo a redução do objeto da religião a simples “mistério” a respeito do qual os símbolos que se usam para interpretá-lo permanecem de todo inadequado.
Conhecendo o autor
Vida e obra do autor Filósofo Luís Gustavo Severiano, Dr.h.c Escola do Pensamento Poiētico A decisão de dedicar-me à filosofia e a ciência resultou de uma descoberta que me encheu de entusiasmo em minha vida: a compreensão do fato, nem um pouco evidente, de que as leis da razão humana coincidem com as leis que governam as sequências de impressões que recebemos do mundo exterior; graças a isso, o puro raciocínio torna o homem capaz de atingir um conhecimento íntimo do mecanismo do mundo. Sob essa perspectiva, é importantíssimo que o mundo exterior seja algo independente do homem, algo absoluto. A busca das leis que se aplicam a esse absoluto pareceu-me a mais sublime ocupação estética que se possa experimentar; assim o Filósofo Severiano nasceu: homem de espírito alerta, dotado de fino senso estético e de humor que busca incessantemente uma arte perfeita de demonstrar e explicar para as pessoas que buscam conhecimento acerca desta notável realidade. Esse maravilhamento se deu quando minha consciência absorveu avidamente, como uma revelação, a primeira lei que me pareceu possuir validade absoluta, universal, independente de qualquer colaboração humana: o princípio da conservação de energia. Esse des-ocultamento da natureza se deu por via de dois grandes mestres que a natureza me proporcionou: Jorge Albuquerque Vieira e Arnold Junginger. Aprendi muito com esses dois mestres e guardo seus nomes com respeito. As circunstâncias de um período escolar violento e na mão de professores universitários sádicos fizeram com que eu caminhasse sozinho no conhecer. O único jeito de matar minha sede de conhecimentos científicos e filosóficos foi procurar leituras sobre os mais variados assuntos, inclusive literários. Foi assim que encontrei os tratados de Rudolph Clausius e Charles Sanders Peirce. O primeiro sobre a conservação de energia, ensinando-me a pensar a ciência. O segundo sobre a semiótica, ensinando-me a pensar a Filosofia da ciência. Ambos com um estilo lúcido e luminosa clareza de raciocínio causaram-me forte impressão: aprofundei-me cada vez mais em seus textos com entusiasmo incansável. Isso me fez perceber que os conhecimentos não podem ser divididos em “caixinhas do conhecer”, portanto, conhecer está na integralidade, no fator unificante. Gostava especialmente como Clausius formula preciosamente os dois princípios 2 da termodinâmica1 e da impressionante distinção entre esses princípios que ele foi o primeiro a estabelecer. Peirce, por outro lado, já comentava um universo criativo e evolutivo onde o acaso é ontológico. Ambos eram realistas, então, eu me tornei também. Primeiro imitando, depois compreendendo. Nesse caminhar, encontrei um artigo famoso - “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”2 , do grandioso Albert Einstein -, que contém as ideias fundamentais da teoria da relatividade. Fiquei muito interessado e curioso, então, comecei a estudá-lo detalhadamente. A fim de previnir um provável mal-entendido, convém fazer algumas observações de caráter geral. Nos primeiros parágrafos destas páginas autobiográficas, destaquei o fato de que sempre considerei a busca do absoluto a mais nobre tarefa da ciência e da filosofia. O leitor pode ver nisso uma contradição com o interesse que acabo de citar pela teoria da relatividade. No entanto, seria um modo errôneo de ver as coisas. De fato, tudo que é relativo pressupõe a existência de algo que deve ser absoluto, e o relativo só adquire pleno significado se for justaposto a um absoluto. A frase “tudo é relativo”, tantas vezes repetida, é tão enganosa quanto sem sentido. A própria teoria da relatividade fundamenta-se em algo absoluto, que é a métrica bem definida do Universo em quatro dimensões, ou continuum espácio-temporal. Descobrir o absoluto é um feito muitíssimo estimulante, que confere pleno significado ao que é dado como relativo. Minha tarefa como pensador da natureza que usa a Filosofia como a heurística do pensar consiste em encontrar, com esses fatores e dados, o absoluto, o universalmente válido, o invariante que aí está oculto. Durante 20 anos de incessante pesquisa científica e filosófica, entendi que a metafísica está presente nos sistemas físicos como um problema de percepção e que a invariância da entropia em relação à velocidade coexiste no sistema de referência. Isso me levou a acreditar que somos seres arraigados em nossa natureza perceptual e que nosso conhecimento é construído nessa direção. Mas isso não foi tudo. O absoluto pareceu estar mais profundamente arraigado na essência das leis naturais do que se pensava; foi assim que o Pensamento Poiētico nasceu. Assim, tenho satisfeito minha necessidade interior de testemunhar, da forma mais completa possível, tanto os resultados de minha obra filosófica (que está em construção) como minha atitude cada vez mais firme em relação à Ontologia. 1 N.do.a - oprimeiroprincípio da termodinâmica é odaconservação da energia. O segundo éo do crescimento da entropia em sistema fechado, cujas várias formulações Max Planck apresenta em suas belíssimas equações matemáticas. O terceiro só foi descoberto por Walter Nernst em 1906: a entropia de uma substância tende a se anular quando sua temperatura se aproxima do zero absoluto. 2 N.do.a - Publicado nos Annalen der Physics, t. XVII (1905), p. 132-148.
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